sábado, 16 de junho de 2012

Rota 66


Intrigante como o jornalista se torna heroi ao se aventurar a enfrentar políticos corruptos, máfias, empresas privadas egoístas e a burocracia do Estado. E como Roberto Saviano, autor de Gomorra, que com proteção do exército italiano muda de casa todo santo dia para fugir da máfia, seu irmão de profissão Caco Barcelos teve que passar um tempo exilado no exterior, e quando retornou existe o boato que a própria Globo negociou sua sobrevivência com a Rota e com a facção criminosa citada na sua outra obra – prima Abusado- o dono do morro da Santa Marta. E a grande pergunta que se faz é para quê arriscar sua vida? Creio que a resposta está com as vítimas do holocausto da segunda guerra mundial. Para que não aconteça novamente, para que o jornalista interfira na realidade, e é por isso que ele vai para campo. Como diz Barcellos na frase que encerra a obra “Naquele dia, acreditamos ter evitado registrar os nomes de mais duas vítimas em nosso Banco de Dados”.
Rota 66 – A história da polícia que mata (R$ 44,90, editora Record, 2003), o jornalista Caco Barcellos realiza uma minuciosa pesquisa (entre a década de 70 até 1990) através de depoimentos de familiares, laudos da justiça, laudos do IML(Instituto Médico legal), e pasmem do extinto jornal ‘Notícias Populares’ para criar um banco de dados e identificar todas as vítimas e os policiais que se esqueceram do “servir e proteger” para levantar outro lema “Deus cria a Rota mata” .
Um dos pontos altos da obra é quando Barcelos remete a origem da Polícia Militar em meio ao combate com as guerrilhas esquerdistas na Ditadura Militar da década 70. A conclusão disso é provada através dos números  que a polícia e seu esquadrão especial Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (ROTA) não foi criada para dar segurança à população de São Paulo, mas sim uma polícia política preparada para uma guerra. O pior é que o banco de dados de Barcellos confirma que aconteceu uma “limpeza étnica” nas periferias da cidade paulistana, com a morte de muitos negros, pardos e nordestinos, alguns até inocentes. O que reflete no desabafo do jornalista: “Uma estranha guerra onde é muito raro haver sobreviventes”.
A obra começa com o velho recurso da dramaturgia, o flash-back. Por isso, vemos tanto em Rota 66, como em Abusado que Barcellos começa a narrativa com um flashback num momento de clímax, uma perseguição de carros envolvendo a polícia. E claro, no clímax da perseguição o capítulo encerra, e acontece uma digressão com a descrição dos fatos, e um retorno para explorar melhor os personagens envolvidos na trama, que no primeiro caso mostrado em Rota 66 são o playboy Noronha e seus amigos.  Contudo na apresentação dos personagens o autor é mestre, são bem descritos e apresentados de forma orgânica na narrativa. Com destaque no caso do cover do Roberto Carlos morto de maneira banal pela Rota, onde Barcellos atua como montador de cinema, e constrói cena – a - cena descrevendo toda a origem do envolvimento do intérprete com uma mulher noiva, a fuga do noivo e o encontro do cantor, com a “voz idêntica à do Rei do iê-iêiê”, com as Rondas Ostensivas Tobias Aguiar.  Aliás, outro momento impagável é a entrevista de emprego entre Barcellos e o jornalista Daniel Annerberg (colaborador importante na criação do banco de dados), expondo as condições de trabalho do jornalista, que infelizmente transcende o IML
Porém se em Abusado, apesar de ter a facção criminosa e a Santa Marta como pano de fundo, ainda temos um personagem muito carismático e de ideais fortes, o Juliano VP. Mas isso não é encontrado em Rota 66, por que a protagonista é a própria polícia militar, a conseqüência é que a obra pode perder o leitor, e Barcellos toda hora o autor é obrigado a cativar, e para isso o escritor apela nos momentos de ação e suspense. Será que do ponto de vista jornalístico de apuração dos crimes dos policiais da Rota, era necessário descrever toda a aventura no helicóptero da Globo, com a fita chegando a edição poucas horas antes de entrar no Jornal Nacional? Só para isso, Barcellos nos contar que, no momento da edição ele recebeu uma ligação sobre a morte do ator Pixote?
Sem um personagem central, o leitor se agarra em Caco Barcellos, que por isso se torna um dos grandes referenciais da história, mesmo protegido no seu discurso onisciente ora em 3ª pessoa quando o discurso assumi caráter de descrição jornalística e apresentação dos personagens, ora em 1ª pessoa narrando seu envolvimento nas descobertas da trama; no melhor estilo da novela global Próxima Vítima. E com isso Barcellos vive essa jornada de heroi em meio a perigos como viagens de helicópteros, investigação secretas no IML, corrida até a delegacia, e aventuras no trânsito, tudo não saído de um livro de ação e suspense, nem das melhores obras da literatura de espionagem, mas sim de um texto que alia de forma orgânica o jornalismo com a literatura. 
Aliás, outro momento impagável do livro é quando o autor narra no capítulo Futebol seus “momentos de quase-morte”; em um terremoto, na revolução sandinista, com contrabandistas no Paraguai. E a impressão que fica que nosso heroi Caco Barcellos é sempre essa pessoa equilibrada e serena que podemos assistir no programa da TV Globo Profissão Repórter. Mas a grande surpresa, é que desta vez essa citação não está na obra para chamar atenção do leitor e sim para realizar uma crítica ao jornalismo e seus “Datenas da vida”. Como defende Barcellos: “Temo pela minha vida em todos esses momentos, mas não se compara com o medo de fazer uma cobertura de um velório de uma vítima da Polícia Militar. (...) Frequentemente nosso trabalho é confundido com o dos policiais. Pior! Somos vistos como inimigos agentes de um poder que incentiva a polícia a matar pobres suspeitos de serem criminosos”
Porém a obra peca em alguns momentos; às vezes Barcellos apela para o melodrama, como no diálogo entre Noronha e sua namorada, ou com frases soltas totalmente artificiais, e complicadas de se acreditar, como por exemplo, “viva a sociedade alternativa”, o que é grave do ponto de vista jornalístico já que a obra não é ficcional, mas sim um livro – reportagem. Outro problema, que apesar de eu perceber o poder de coação da Rota, em alguns casos se percebe que o jornalista se baseou apenas nos relatos dos familiares.

Mesmo assim, Rota 66 – a história da polícia que mata, está longe de não ser um livro de cabeceira de todo secretário de segurança do Brasil aliás o jornalista poderia resumir toda sua convicção em uma frase: “Se nossa desconfiança é injusta, estamos diante de um caso de incrível incompetência”. O livro também é um manual de como os repórteres devem  apurar e agir em situações de perigo e, sobretudo se Caco Barcellos ainda não conseguiu que hoje os policiais tivessem melhores condições de trabalho e no trato com a população, pelo menos fez com aquelas duas vítimas descritas nas últimas páginas não fossem parar no banco de dados.

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