Rota 66 – A história da polícia que mata (R$ 44,90, editora
Record, 2003), o jornalista Caco Barcellos realiza uma minuciosa pesquisa
(entre a década de 70 até 1990) através de depoimentos de familiares, laudos da
justiça, laudos do IML(Instituto Médico legal), e pasmem do extinto jornal
‘Notícias Populares’ para criar um banco de dados e identificar todas as
vítimas e os policiais que se esqueceram do “servir e proteger” para levantar
outro lema “Deus cria a Rota mata” .
Um dos pontos altos
da obra é quando Barcelos remete a origem da Polícia Militar em meio ao combate
com as guerrilhas esquerdistas na Ditadura Militar da década 70. A conclusão disso é
provada através dos números que a
polícia e seu esquadrão especial Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (ROTA) não foi
criada para dar segurança à população de São Paulo, mas sim uma polícia
política preparada para uma guerra. O pior é que o banco de dados de Barcellos
confirma que aconteceu uma “limpeza étnica” nas periferias da cidade
paulistana, com a morte de muitos negros, pardos e nordestinos, alguns até
inocentes. O que reflete no desabafo do jornalista: “Uma estranha guerra onde é
muito raro haver sobreviventes”.
A obra começa com o
velho recurso da dramaturgia, o flash-back. Por isso, vemos tanto em Rota 66, como em Abusado que Barcellos começa a narrativa com um flashback num
momento de clímax, uma perseguição de carros envolvendo a polícia. E claro, no
clímax da perseguição o capítulo encerra, e acontece uma digressão com a
descrição dos fatos, e um retorno para explorar melhor os personagens
envolvidos na trama, que no primeiro caso mostrado em Rota 66 são o playboy Noronha e seus amigos. Contudo na apresentação dos personagens o
autor é mestre, são bem descritos e apresentados de forma orgânica na narrativa.
Com destaque no caso do cover do Roberto Carlos morto de maneira banal pela
Rota, onde Barcellos atua como montador de cinema, e constrói cena – a - cena
descrevendo toda a origem do envolvimento do intérprete com uma mulher noiva, a
fuga do noivo e o encontro do cantor, com a “voz idêntica à do Rei do iê-iêiê”,
com as Rondas Ostensivas Tobias Aguiar. Aliás,
outro momento impagável é a entrevista de emprego entre Barcellos e o jornalista
Daniel Annerberg (colaborador importante na criação do banco de dados), expondo
as condições de trabalho do jornalista, que infelizmente transcende o IML
Porém se em Abusado, apesar de ter a facção
criminosa e a Santa Marta como pano de fundo, ainda temos um personagem muito
carismático e de ideais fortes, o Juliano
VP. Mas isso não é encontrado em Rota
66, por que a protagonista é a própria polícia militar, a conseqüência é
que a obra pode perder o leitor, e Barcellos toda hora o autor é obrigado a
cativar, e para isso o escritor apela nos momentos de ação e suspense. Será que
do ponto de vista jornalístico de apuração dos crimes dos policiais da Rota,
era necessário descrever toda a aventura no helicóptero da Globo, com a fita
chegando a edição poucas horas antes de entrar no Jornal Nacional? Só para isso,
Barcellos nos contar que, no momento da edição ele recebeu uma ligação sobre a
morte do ator Pixote?
Sem um personagem
central, o leitor se agarra em Caco Barcellos, que por isso se torna um dos grandes
referenciais da história, mesmo protegido no seu discurso onisciente ora em 3ª
pessoa quando o discurso assumi caráter de descrição jornalística e
apresentação dos personagens, ora em 1ª pessoa narrando seu envolvimento nas
descobertas da trama; no melhor estilo da novela global Próxima Vítima. E com isso Barcellos vive essa jornada de heroi em
meio a perigos como viagens de helicópteros, investigação secretas no IML,
corrida até a delegacia, e aventuras no trânsito, tudo não saído de um livro de
ação e suspense, nem das melhores obras da literatura de espionagem, mas sim de
um texto que alia de forma orgânica o jornalismo com a literatura.
Aliás, outro
momento impagável do livro é quando o autor narra no capítulo Futebol seus
“momentos de quase-morte”; em um terremoto, na revolução sandinista, com contrabandistas
no Paraguai. E a impressão que fica que nosso heroi Caco Barcellos é sempre
essa pessoa equilibrada e serena que podemos assistir no programa da TV Globo Profissão Repórter. Mas a grande
surpresa, é que desta vez essa citação não está na obra para chamar atenção do
leitor e sim para realizar uma crítica ao jornalismo e seus “Datenas da vida”.
Como defende Barcellos: “Temo pela minha vida em todos esses momentos, mas não
se compara com o medo de fazer uma cobertura de um velório de uma vítima da
Polícia Militar. (...) Frequentemente nosso trabalho é confundido com o dos
policiais. Pior! Somos vistos como inimigos agentes de um poder que incentiva a
polícia a matar pobres suspeitos de serem criminosos”
Porém a obra peca
em alguns momentos; às vezes Barcellos apela para o melodrama, como no diálogo
entre Noronha e sua namorada, ou com frases soltas totalmente artificiais, e
complicadas de se acreditar, como por exemplo, “viva a sociedade alternativa”,
o que é grave do ponto de vista jornalístico já que a obra não é ficcional, mas
sim um livro – reportagem. Outro problema, que apesar de eu perceber o poder de
coação da Rota, em alguns casos se percebe que o jornalista se baseou apenas
nos relatos dos familiares.
Mesmo assim, Rota 66 – a história da polícia que mata,
está longe de não ser um livro de cabeceira de todo secretário de segurança do
Brasil aliás o jornalista poderia resumir toda sua convicção em uma frase: “Se
nossa desconfiança é injusta, estamos diante de um caso de incrível
incompetência”. O livro também é um manual de como os repórteres devem apurar e agir em situações de perigo e,
sobretudo se Caco Barcellos ainda não conseguiu que hoje os policiais tivessem
melhores condições de trabalho e no trato com a população, pelo menos fez com aquelas
duas vítimas descritas nas últimas páginas não fossem parar no banco de dados.